quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

I - Embalado Pelo Comboio


7h55m

Toca o despertador, interrompendo um daqueles sonhos cujos detalhes se esfumam, deixando apenas uma ténue impressão desagradável.

Afasto o cobertor a contragosto. A sensação que tenho é a de uma ressaca... devia ter planeado os meus horários semanais de modo a não ter dificuldade em acordar "cedo" hoje. Mas a experiência mostra que isso é impossível. Se tenho alguns defeitos (e felizmente tenho-os, já que ninguém lhes está imune) um deles é certamente a falta de disciplina nos horários. Deitar tarde e levantar tarde é um hábito que se foi enraizando nos últimos anos e do qual já não consigo fugir. De qualquer modo, à excepção de dias como o de hoje, esse hábito não me traz qualquer tipo de problemas.

Durante quase duas décadas fui um madrugador. Em criança dormia pouco e não tinha dificuldade em acordar cedo para ver "os bonecos". Mas durante os anos de licenciatura tudo mudou, principalmente por culpa do primeiro ano mal dormido. Acordar todos os dias úteis às 6 e pouco da manhã é algo que não se deseja a ninguém. E o resultado disso foi que, quando me conseguia levantar, ía para a faculdade jogar às cartas em vez de ir bocejar para as aulas.

Hoje a dificuldade para sair da cama foi amenizada pela lembrança daquilo que o dia me reservava. Aos poucos a adrenalina tomou conta de mim, o que me levou a despachar-me muito mais depressa do que supunha e a chegar demasiado cedo à gare de Saint-Lazare. Comi os Golden Grahams num ápice, bebi o cafezinho obrigatório e lá me pus a caminho de mochila às costas. Na gare tive tempo para dar uma vista de olhos ao quiosque dos jornais. E para além dos jornais também vendem livros. E o que é que eu faço quando estou perante uma montra de livros? Compro um! Hoje comprei Le soleil se leve aussi, de Ernest Hemingway.

Mas uma vez no comboio, a minha vontade não é ler. Deixo-me estar recostado no banco confortável, embalado pela aceleração do comboio que me levará à Normandia. O comboio é, sem dúvida, o meio de transporte mais agradável para as viagens não quotidianas. Ser obrigado a fazer o trajecto Vila Franca-Lisboa, num comboio muitas vezes apinhado, pode ser extremamente desagradável. Mas quando temos todo o tempo do mundo para desfrutar de uma viagem que atravessa diferentes paisagens, aldeias e cidades, não há melhor que o comboio.

Há medida que a viagem se desenrola, vai crescendo o impulso de pegar numa caneta e começar a escrever o que me vem ao pensamento. Sem muita atenção, sem demasiado zelo linguístico. Enquanto atravessamos a Ile-de-France, eu vou a sonhar acordado. Sonho que se um dia ganhasse o Euro-Milhões, a minha vida podia ser isto. Viajar e escrever. Podia tornar-me um escritor de crónicas de viagens. Uma espécie de Gonçalo Cadilhe. Mas dedicando também algum tempo à matemática, até porque a escrita e a matemática não são de todo incompatíveis. O que é paradoxal neste meu sonho, é que as minhas leituras de livros de viagens nunca passaram de leituras em diagonal. Mas definitivamente tenho que prestar atenção ao Gonçalo Cadilhe porque parece-me que ele tem escrito umas coisas com qualidade.

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